segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Oração do Pai José de Aruanda quando estava no cativeiro...



"Meu Pai Olorun, mais uma vez me puseram no tronco.
Amanheci acorrentado, amordaçado e nu... Não me deram comida ou água.
Estou enfraquecido, desanimado e sem entender porque fazem tanta crueldade com o nosso povo.
Acredito que pago algum erro de minha vida passada; então, não posso reclamar...
Eu percebi que todos que são diferentes, sofrem essa perseguição, e o castigo da escravidão.
É como se fossem inferiores ou devedores de alguma dívida impagável a toda essa gente!
Alguns conseguem fugir; mas, outros, têm a mesma sina que eu... E muitos: morrem!
Penso em desistir da vida, muitas vezes, mas isso seria um sacrilégio e eu não quero ofender Irokô.
Então, eu me conformo e procuro silenciar, na tentativa de sofrer menos.
Apenas observo e tento aprender a cultura deles, para ver se tenho maior aceitação e menos castigo.
Não quero esquecer quem eu sou, de onde eu vim e todos os costumes de meu povo; por isso, eu procuro relembrar a cada dia um pouco mais...
Eu sou diferente de todos. Eu sou um negro albino. Em minha tribo isso era chamado de criança de Iku ou criança amaldiçoada.
Nasci assim: não sou índio; não sou negro; não sou branco. Então, não sei quem eu sou... Mas eu existo, e deve haver um propósito nisso tudo.
Quantas vezes eu tentei fugir e quantas vezes eu fui para o tronco já perdi as contas!
Mas, ainda não desisti... Dizem os outros que nós somos persistentes em nossos objetivos.
Eu sou persistente quando quero alguma coisa e insisto até conseguir...
Mas, dessa vez, meu Pai Olorun, acho que chegou meu fim, pois sinto-me enfraquecido e combalido.
Meus irmãos de raça me discriminam, pois sou diferente deles.
Os demais daqui me olham estranhamente, como se eu tivesse uma doença contagiosa.
Então, sinto-me solitário, abandonado e alquebrado.
Ainda não perdi minha fé, pois é a única coisa que me sustenta e que me segura firme na jornada.
Meus Deuses Africanos são a única coisa que tenho e o que me mantém vivo nessa prisão, de outras terras e de outros costumes.
Anoiteci aqui porque tentei fugir... Já está amanhecendo e alguém está vindo me soltar.
Jogaram em minhas feridas uma espécie de vinagre com salmoura, para não infecioná-las...
Sinto muita dor e muita tristeza; ainda não me acostumei com essa vida.
Não sei se sobreviverei, ou se conseguirei aguentar mais um dia nesse lugar.
Não sei se sou digno de Ti, Senhor Supremo, ou de pedir-te proteção, mas dai-me uma nova vida e condições de refazer essa jornada terrena, pois preciso compreender porque me trouxestes até aqui.
Meu Pai Olorun, finalizo lhe pedindo que:
Quando me encontrares cansado, com o corpo curvado e pesado por causa da idade... Dai-me forças para seguir adiante e em frente, porque mesmo assim, pretendo servir-Te para sempre, Meu Pai!"

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