quinta-feira, 18 de julho de 2019

Caboclo Arruda

"Eu nasci no Alto Amazonas, no tempo em que o Brasil não tinha divisões. Minha Tribo pertencia à Etnia Garibi; também conhecida por Galibi do Uaçá ou, ainda, Galibi-Marworno.
Nós vivíamos próximo ao Grande Rio do Norte, no meio da Floresta Nativa. Minha mãe era uma pequena índia em idade de casar. Estava sendo preparada na Grande Oca das Cerimônias, quando nossa Aldeia foi invadida por homens brancos. Houve uma grande luta sangrenta. Muitos membros da tribo morreram...
Aquela que seria minha mãe, foi arrancada da Oca durante a luta. Ela foi levada até a mata e violada. Quando a encontraram, sangrava muito e estava desacordada.
Durante a batalha, um dos pequeninos da Tribo escapou e foi atrás de ajuda nas Aldeias vizinhas. Aos poucos, os índios se reagruparam e conseguiram vencer a luta.
Após a invasão, nossa Tribo ficou desprotegida. Os sobreviventes fizeram a cerimônia aos mortos e recolheram o que podiam na Aldeia. Em poucos dias estavam se mudando para outra Aldeia, mais ao norte da Grande Floresta Mãe.
Alguns feridos ficaram doentes e foram carregados em redes suspensas. Minha futura mãe permanecia desacordada. Durante dias ardeu em febre...
Quando chegaram ao local escolhido pelo Grande Pai que Governa Tudo, estabeleceram a nova Aldeia. Aquela que seria minha mãe, continuava adoecida. Então, o novo Cacique determinou ao futuro Pajé que a curasse.
Esse Pajé embrenhou-se nas matas e voltou com umas plantas de cheiro forte. Separou-as em duas partes. Com metade das plantas fez um caldo macerado e banhou o corpo doente. Com a outra parte fez uma fervura e lhe deu de beber. Em pouco tempo, a pequena índia que seria minha mãe reagiu.
Todos os dias, o futuro Pajé retornava ao local das plantas de cheiro forte e repetia o tratamento. Com o passar dos dias ela foi melhorando e em pouco tempo despertou...
Aquele que seria seu marido havia sido morto em batalha. Como ela era uma índia sem casamento mas, impura pelas mãos de um homem estranho, nossa Aldeia podia votar e decidir seu destino.
Na Grande Lua Nova, a Tribo decidiu que a pequena índia teria que partir... Eu já estava em seu ventre e todos sabiam. Mesmo as ervas fortes não me tiraram a vida. Então, o Cacique falou em nossa língua: "Criança mestiça quer viver e ele não é um de nós. Mãe deve partir!"
Minha mãe procurou o local das ervas de cheiro forte e engoliu muitas delas, pra ver se eu deixava seu corpo. Mas, eu fui insistente. Quanto mais ervas fortes ela consumia, mais eu sobrevivia. Então, ela partiu, no dia em que o sol e a lua se encontraram por alguns instantes.
Quando o Cacique viu o Sol e a Lua juntos, refletiu e falou: "Essa criança é filha do Sol e da Lua e eles querem que ela fique. Vão buscar a índia pequena."
Poucos meses depois eu nasci. Dizem que meu tamanho e minha força surpreendeu a todos. No dia da escolha do meu nome, todos decidiram: "Filho da Erva de Cheiro Forte".
Minha mãe e eu fomos morar com aquele que passou a ser o Pajé da Tribo, para lhe ajudar e aprender... Eu fui um índio normal, até esqueci que era um mestiço, porque todos me tratavam muito bem. Aprendi com o Pajé todas as práticas e rituais da Tribo, enquanto eu lhe auxiliava.
Quando fiquei adulto, permaneci ajudando o Pajé e jamais casei. Minha mãe morreu cedo, por conta das agressões que sofreu naquele dia. O Pajé se tornou um pai, quando me criou...
Nossa Aldeia ficou protegida do homem branco e durante minha existência jamais vi qualquer um deles. Eu sabia, apenas, que meu sangue era "metade Sol e metade Lua". Por ser impuro (gerado a partir de uma agressão) e filho de mãe sem pai, jamais pude assumir qualquer função maior na Tribo.
Quando o Pajé se mudou para o Reino dos Espíritos, eu prossegui em minha função, auxiliando o novo Pajé. Vivi minha vida dessa forma, até que o Grande Espírito me chamou para o seu Reino. Parti em paz, dormindo em minha Oca..."