domingo, 7 de outubro de 2012

Pai Jacó do Cruzeiro

O Coveiro dos Escravos.

O nego Jacó viveu muitos anos e viu muitas coisas nessa terra de Deus. Nasceu em 1768 numa das tribos de Angola e foi trazido para o Brasil ainda moleque. Foi comercializado no mercado de escravos de Salvador, mas foi comprado por um senhor feudal de Minas Gerais.
Demorou para aprender a língua dos homens brancos, pois ficava o tempo todo calado. Ele era de origem banto e falava o kimbundo. No começo acharam que ele era mudo, até que o amor de uma negra, que havia perdido seu filho, o adotou... Ela o acolheu e o ensinou sobre as coisas da escravidão e da vida em terra de gente branca.
Ele demorou para entender e aceitar tanta barbaridade. Ficava calado, apenas observando e fazendo o que lhe mandavam. Sempre que alguém morria por causa dos mau tratos, ele ia até o corpo, rezava em sua língua nativa, passava ervas cheirosas no corpo do falecido e depois pedia ao capataz para sepultá-lo.
No começo, estranharam esse seu gesto... No entanto, com o tempo, começaram a lhe pedir para fazer isso, cada vez que alguém morria. Os próprios capatazes poupavam seu serviço de enterrar os mortos, deixando esse trabalho por conta de Jacó.
Esse nome (Jacó), ele recebeu porque ficava calado olhando para o alto, para o céu, para as estrelas, como o Jacó da Bíblia ao avistar a escada sagrada. Seus pais haviam lhe dado o nome de Ngala (que significa Alegria em sua língua nativa), pois ele era uma criança alegre, antes de ser escravizado. Porém, agora, ele não sentia muita alegria.
E assim Jacó viveu toda a sua vida de escravidão: sepultando os mortos. Nunca se casou, nunca se envolveu com ninguém. Ofereceu sua vida a cuidar dos outros. Também nunca foi para o tronco, pois nunca desafiou uma ordem sequer. Viveu calado, sempre observando...
Quando assinaram a Lei Áurea para  a libertação dos escravos, Pai Jacó estava com 120 anos e ainda vivia. Era cuidado por um casal de amigos da senzala. Estava quase cego e surdo, não falava, só gesticulava.
Assim que recebeu sua carta de alforria, pegou um punhado de ervas, se lavou, vestiu sua roupa mais limpa e se deitou. Colocou a carta embaixo do travesseiro e fechou os olhos, dando seu último suspiro. Nego Jacó estava livre, afinal, e podia partir...